sexta-feira, 22 de maio de 2009

Como rascunho esperando ser finalizado,


Já passava da meia-noite. Janelas e porta fechadas, ar condicionado ligado, luz apagada, mas de nada adiantava toda a preparação. O sono não vinha, os olhos não queriam fechar. Como seria não dormir nunca mais?

Ela levantou, dirigiu-se à janela mais próxima, olhou o céu. As estrelas pareciam tomar conta de tudo; noite de lua nova ou eclipse? Não sabia, apenas contemplava uma paisagem que nunca vira antes. Pintura natural, algo feito com o maior cuidado possível. Ora com as formas mais perfeitas que já havia visto, ora parecendo quadro abstrato, mas com tanta técnica por trás...

Nunca havia pintado antes, mas guardava alguns pincéis em sua escrivaninha. Abriu a gaveta, pegou os pincéis novos em folha, ainda duros. Procurou freneticamente por um papel, mas não tinha. Sua expressão mudou de repente, a tristeza a tomou e seus olhos encheram-se de lágrimas.

Ia voltando para a cama quando uma ideia um pouco absurda lhe pegou de surpresa. Isso costumava acontecer frequentemente, sempre que ela pensava não ter mais o que fazer assustava-se com sua capacidade de controlar os pensamentos, mente perigosa a daquela garota, vocês deveriam conhecê-la como eu conheci, só assim pra entendê-la por inteiro; talvez nem assim...

Olhou pra parede escura de seu quarto, a que ficava mais ao fundo. Havia sido pintada dias atrás, mas parecia ter perdido o brilho nas primeiras horas. Tinta de má qualidade ou coisa da sua cabeça? Talvez ela quisesse apenas uma desculpa pra não sentir-se mal. Antes que mudasse de idéia pegou a tinta branca, um tubo de cola com brilhinhos, e dirigiu-se à parede meio opaca.

Suas mãos criavam formas abstratas em um ritmo indecifrável. Tão bonita a dança que acontecia ali... Tudo ganhava brilho de maneira inexplicável e como nunca vira antes. Sentia-se feliz, talvez até demais. Não pensou em nada naquele momento, somente em ser ágil o bastante para, com seus pés e a camisola de seda que mais gostava, acompanhar o ritmo em que a obra de arte surgia.

Dançava sem música, apenas com o som dos pincéis sendo limpos na pequena jarra d’água. Poderia passar o resto da vida ali. Era daquela maneira, e só daquela, que todas as preocupações sumiam. E continuou assim noites e noites, perdia o sono, mas não descansaria até terminar o Grande Quadro.

E o rascunho ganhava forma, assim como a alma da menina, assim como a vida toma forma quando se encontra uma saída. Um lugar onde ela podia amar, ser feliz, e mais nada. Sem testes, ela apenas vivia. E o ritmo, cada dia mais intenso, já não intimidava a menina; ela havia aprendido bem mais do que usar os pincéis com precisão, havia tornado-se autodidata no controle de sua mente, aquela que eu já disse ser perigosa. Aprendera a controlar-se a si mesma, e quem nunca sonhou em poder fazer isso, afinal?

Aprendeu sozinha, e, também sem ajuda, exercitou-o; e, desprovida de problemas, apenas seguia, e também não olhou pra trás.

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